A Pedra Bruta

Por Me. Aralotum

Iniciação é um processo de retificação do caráter íntimo e individual. É fruto de um processo de autoconhecimento que marca a nossa existência e dá significado ao que fazemos. É como lapidar uma pedra bruta de diamante, tirada da lama e cheia de impurezas, até que se transforme límpida e cristalina, brilhante como o Sol.

O caráter é aquilo que há de mais importante para a nossa existência, pois é aquilo que marca o nosso ser. Carácter tem a ver com caractéres e indica características, marcas, sinais. Especificidades que distinguem os indivíduos uns dos outros. Por extensão, diz respeito às qualidades inerentes dos indivíduos, seu temperamento, seu humor, sua índole, sua firmeza moral, sua honestidade; em resumo, à coerência dos seus atos.

O caráter, portanto, é aquilo que define quem nós somos. Um caráter frágil ou duvidoso é típico de alguém cuja coerência dos atos não tem muita definição. Alguém que pode ser visto como mentiroso, ‘duas caras’, desonesto, cujos atos não são coerentes com aquilo que se anuncia. É típico de quem não se conhece e, portanto, não está certo do que fazer, pois não é seguro de si mesmo. Um mal caráter é alguém cuja subjetividade está marcada por atitudes maléficas e destrutivas.

Dessa forma, o caráter diz respeito a quem nós somos, através daquilo que fazemos. Nosso caráter é definido pela somatória dos nossos atos, pois são nossos atos, eles mesmos, que marcam a nossa existência. Caráter, portanto, não é uma questão subjetiva, da interpretação de cada um. Pelo contrário, alguém ter ou não ter bom caráter depende unica e exclusivamente da sua ação e dos frutos que elas produzem no mundo. E bons frutos, somente podem ser gerados por boas ações, nunca o contrário.

E é por isso que somos pedra bruta. Ao nos prostarmos diante os portais da iniciação e contemplarmos o umbral dos seus mistérios, somos convidados a olhar para dentro de nós mesmos, de nossos atos e de nossa própria mente. Somos convidados a contemplar os nossos próprios mistérios, aquilo que está oculto e inconsciente. Somos convidados a contemplar nossas inquietudes e nossos conflitos mais íntimos, a fim de superá-los, para que possamos responder o mistério primordial: qual é a nossa razão de ser neste mundo??

Nem todas as pessoas se interessam em fazer essa pergunta ou estão interessados em encontrar a resposta. A maioria das pessoas sequer tem condições mentais de lidar com tal nível de reflexão sobre a sua existencia. Mas essa pergunta é fundamental para que encontremos paz de espírito e bem-estar na vida, sobretudo, para aqueles cujo ser demanda a compreensão de ‘algo mais’, algo desconhecido, que está ‘além dos véus’ e indique que a vida não é essa coisa aparentemente fria, automática, mecânica e desprovida de sentido.

Frequentemente, antes do processo iniciático, nos encontramos nessa busca, tal como um navegador no mar aberto busca compreender a posição das estrelas para saber sua direção. Mas, também, frequentemente estamos cansados, desesperançados, exaustos e sem ânimo ou interesse pela vida. Frequentemente, estamos adoecidos psíquica e fisicamente, como consequência dos desequilíbrios da mente e do corpo.

O processo iniciático promove um reajuste psico-físico e espiritual, a fim de trazer equilíbrio e potencializar as qualidades inatas de cada um. Isso passa por melhores cuidados com a mente e com o corpo. Passa pela ressignificação das nossas experiências e pela aquisição de hábitos e comportamentos saudáveis, que são edificantes, equilibrados e construtivos.

Todo esse processo promove uma mudança íntima consistente e duradoura, que é vista através das nossas mais sábias atitudes. Aprimora nosso senso ético e de moral elevada, bem como a firmeza, compaixão, equilíbrio e segurança com que conduzimos a vida. Mudam-se as marcas do nosso destino e os caractéres pelos quais somos identificados. É esse processo de retificação do caráter que nos coloca em condições de exercer sempre o nosso melhor, constante e consistentemente.

Mas este não é um processo fácil. Como uma pedra bruta, somos lapidados sob muita tensão e estresse. Depois de limpos e lavados da lama de onde fomos tirados, somos lascados e temos aparadas nossas pontas e arestas, a fim de nós livramos das imperfeições mais grosseiras e das impurezas da terra; depois, somos raspados e lixados por um longo tempo, até que alcancemos a nossa melhor forma; para então, só no final, sermos polidos e abrilhantados, a fim de podermos refletir a luz que incide sobre nós.

Fonte: Bobbie Carlyle

Como uma pedra bruta depois de lapidada não volta a ser a mesma, nos também não voltamos, pois sofremos uma mudança naquilo que nos caracteriza, afinal – nosso caráter. Pois, os sinais que identificam uma pedra bruta e um diamante são completamente diferentes, quiçá opostos: um é áspero, fosco, curvilíneo e opaco; o outro é liso, transparente, reto e brilhante.

Essas analogias e adjetivos todos também servem para nós, seres humanos. Precisamos ser limpos constantemente através dos nossos rituais diários; vamos nos ‘lascar’ para tirar as impurezas do nosso ser. E só podemos refletir a luz divina que há nós – e suas virtudes – com politez e brilhantismo.

A lisura, a transparência, a retidão e o brilhantismo são qualidades inerentes a todo àquele que possui bom caráter. Isso não implica perfeição, implica apenas em ser bom. Lisura também significa ausência de rusgas, de asperezas, de rispidez, de rudeza, de grosserias; transparência também significa clareza, limpidez, pureza, nitidez; retidão também significa que não desvia a sua direção; brilhantismo também significa que é ilustre e reflexivo, capaz de iluminar e ser notável na escuridão.

Tal como a pedra bruta, é impossível desenvolvemos sem auxílio todas essas qualidades maravilhosas. Mas, tal como a pedra, com a ajuda de outros materiais, podemos nos lapidar e, aos poucos, ir aprimorando o nosso ser, até nos transformarmos em seres com qualidades cada vez mais nobres e elevadas. E um processo longo e demorado, é difícil e cansativo, exige uma boa dose de coragem e desprendimento, mas também é satisfatório e transformador. Um vez inserido neste processo, não há como voltar atrás, mesmo que se mude a paisagem, pois é íntimo e individual.

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